o que marilyn monroe diria?
o novo documentário da netflix, evelyn hugo, memórias e as várias versões da estrela hollywoodiana.
Alguma coisa havia chamado sua atenção naquela história, desconfiado foi lá investigar. Achou que seria um trabalho finalizado em poucos dias, quando se deu conta já estava há alguns anos mergulhado na história. Mas valeria a pena quando enfim conseguisse desvendar o grande mistério. Afinal, é um privilégio para poucos chegar tão perto assim de uma estrela. E é ainda mais impossível conseguir voltar para a vida normal depois do contato.
Para ela era apenas mais um dia comum no trabalho, até receber uma estranha tarefa de sua chefe. Não que se achasse incapaz de produzir aquele texto em especifico, o problema era a atmosfera estranha que embalava essa missão. Mas no dia marcado compareceu ao encontro e ouviu a proposta que mudaria para sempre sua vida, ainda assim se manteve incrédula. Afinal, é um privilégio para poucos chegar tão perto assim de uma estrela. E é ainda mais impossível conseguir voltar para a vida normal depois do contato.
Anthony Summers era muito jovem quando os jornais anunciaram com bastante alarde e sensacionalismo a morte da artista mais conhecida e celebrada do mundo. Marilyn Monroe. Na ocasião as investigações sobre o que realmente aconteceu na noite de 04 de Agosto de 1962 não despertou seu interesse. Vinte anos após o ocorrido sua atenção foi capturada pela reabertura do processo sobre a morte de Monroe. Nesse momento foi fisgado pelo mistério e com o objetivo de desvendar os segredos da estrela iniciou uma longa investigação, os resultados estão no livro “The goddess: the secret lives of Marilyn Monroe” originalmente publicado em 1985.
Monique Grant é jornalista, está passando por turbulências em sua vida pessoal e como todos nós busca um lugar ao sol. Um dia é solicitada para escrever o perfil da estrela Evelyn Hugo, mas os planos arquitetados pela atriz vão muito além daquilo que Monique imaginava. Ao final do trabalho terá em mãos o relato em primeira pessoa da tumultuada vida de Hugo, um prato cheio para qualquer escritor. Essa é a história do livro “Os sete maridos de Evelyn Hugo” da autora Taylor Jenkis Reid.
Em seu processo de investigação Summers ouviu dezenas de pessoas em busca de respostas sobre o que de fato aconteceu na noite da morte de Monroe. Durante três anos ele se manteve completamente absolvido pelos relatos de conhecidos, diretores, amigos, familiares, amigos de familiares, médicos, ex-maridos, sócios, donos de restaurante que a atriz frequentava, enfim, qualquer pessoa que pudesse falar um pouco sobre sua vida e ajuda-lo a desvendar esse enigma. Em 2022 o autor voltou a essa história, dessa vez compartilhando pela primeira vez as gravações dessas conversas que podem ser ouvidas - e vistas- no documentário “The Mystery of Marilyn Monroe: The Unheard Tapes” dirigido por Emma Cooper e lançado pela Netflix.
Summers se valeu das memórias de várias pessoas para encaixar as peças da vida e descobrir os segredos mais profundos de Marilyn - ao menos tentar descobrir. Tem conversas com alguns diretores, como Billy Wilder que comenta sobre as gravações da famosa cena do metrô no filme “O pecado mora ao lado” e George Cukor sobre seu último trabalho com a atriz, o não finalizado “Something got to given”. E ainda a esposa do dono do restaurante da moda nos anos 1940, onde todas as atrizes estreantes frequentavam. O autor percorreu vários fragmentos de memórias em busca de conhecer quem era de fato Marilyn Monroe.
Mas seriam as memórias dos encontros que tivemos com alguém um real indicativo das pessoas com quem interagimos? Das pessoas que somos/fomos?
Evelyn Hugo é uma personagem fictícia, mas é inegável que sua construção se baseia em algumas mulheres da era de ouro de Hollywood, em especial Monroe. Sua história tem alguns pontos em comum, a infância sofrida, o casamento ainda na juventude como forma de mudar de vida, a tumultuada chegada a indústria cinematográfica, além da beleza e sexualidade como principal marca. (Os sete maridos de Evelyn Hugo é uma história muito mais complexa do que estou pintando nesse texto, neste podcast tem uma discussão muito mais aprofundada sobre a narrativa.)
Uma coisa que me chamou atenção, principalmente depois de assistir ao documentário da netflix, é como a autora permite a sua personagem uma coisa que Monroe nunca teve de fato: a oportunidade de falar por ela mesma sua versão da história. Nunca iremos saber realmente o que aconteceu em Brentwood na ocasião de sua morte, assim como nunca saberemos se o homem por quem estava apaixonada era de fato John F. Kennedy e como era realmente essa relação. Nunca iremos saber realmente como era o relacionamento com seu segundo marido Joe Dimaggio. A mesma coisa em relação a Arthur Miller seu terceiro e último marido. Tudo que temos são indicativos baseados na visão de outras pessoas.
A Marilyn que surge em tela pode ser vista apenas através das brumas da memória, o que Summers tenta fazer é dar sentido a todas essas narrativas - que muitas vezes se confundem. Em Evelyn Hugo a autora dá um destino diferente a sua Monroe personificada1, é ela quem escolhe o momento exato de narrar sua vida. Todos os detalhes são expostos a partir do seu ponto de vista, inclusive escolhendo ir de encontro a imagem que as pessoas formaram sobre ela, principalmente com relação aos seus famosos matrimônios.
“Uma das dificuldades para contar o que aconteceu, Jeffers, é que o ato de contar vem depois do acontecimento. Isso pode soar tão óbvio a ponto de ser imbecil, mas com frequência penso que existem muitas coisas para contar tanto sobre o que você pensou que aconteceria quando sobre o que de fato aconteceu”
Rachel Cusk - Segunda casa
Esses dias enquanto lia Segunda casa, livro que se vale muito da relação da personagem com a memória e sua percepção, me deparei com essa citação e algumas outras sobre o tema. Pensei nas pessoas que tiveram contato com Marilyn relembrando esses momentos para Anthony Summers, o quão de performance existia nesses relatos? Truman Capote transformou um encontro com sua amiga em um lindo conto no livro Músicas para camaleões. Transformada em personagem real -assim como todos personagens do livro- Monroe ganha uma certa aura mística, ao mesmo tempo em que o autor narra seu encontro com a atriz, transforma esse momento em algo a ser apreciado. Ali o que de fato aconteceu não importa muito, a Marilyn personagem é exatamente isso, uma personagem. Diferente dos relatos que tem intenção de ser real, mas será que de fato cumprem esse papel?
Um dos elementos que mais me chamou atenção na leitura de Evelyn Hugo é que a personagem escolhe falar, deixando sua história como uma espécie de estranha herança a essa repórter . O mundo só irá conhecer sua história, seu grande amor, suas ambições, no momento em que ela quis e da forma que quis. No mundo real, a voz de Marilyn ecoa em pelo menos dois ambientes, em suas anotações reunidas no livro Fragmentos e em suas últimas sessões de análise imortalizadas através dessas gravações. Nesses poemas e anotações, todos incompletos, podemos vislumbrar um pouco mais do seus desejos e ambições, ainda que de forma cifrada.
Me pergunto, se a personagem Monique pudesse ter feito essa longa entrevista com Monroe, quais verdades secretas seriam reveladas?
“Somente fragmentos de nós um dia alcançarão fragmentos de outros – é esta a verdade do outro e de qualquer um. Nós podemos apenas compartilhar fragmentos acessíveis ao conhecimento. Como na natureza. No mais, é apenas solidão”
Marilyn Monroe - Fragmentos - poemas e anotações
Marilyn Monroe é provavelmente a artista mais conhecida no mundo, sua vida ainda desperta fascínio mesmo após 56 anos de sua partida. Com um pouco mais de 10 anos de carreira no cinema a vida da atriz ainda parece necessitar de análise, talvez entender o que há por trás da estrela revele algo sobre nós mesmo, sobre nosso modo de consumo, ou apenas preencha nossa curiosidade. Nos últimos anos alguns filmes e livros foram lançados com o intuito de contar um pouco mais de sua história, listo aqui alguns dos que mais gosto.
Na Netflix além do documentário citado no texto está em produção o filme Blonde, adaptação do romance de Joyce Carol Oates, que recria a vida da atriz pegando emprestado alguns elementos reais. Trata-se de uma ficção ancorada nos elementos biográficos de Monroe, um exercício similar ao que Taylor Jenkis Reid faz ao criar a sua Evelyn Hugo, com a diferença de que no livro assume-se de fato a inspiração. No link abaixo a Tatianne Dantas fala um pouco sobre a leitura.
“A vida secreta de Marilyn Monroe” é uma das mais extensas biografias sobre a atriz, escrita por J.Randy Taraborrelli. O autor vai em busca dos arquivos no FBI e outras instituições, além de conversar com várias pessoas que conviveram com Monroe. O livro foi adaptado para alguns formatos audiovisuais, a mais recente foi a mini série produzida pela HBO.
“O fim dos dias” é um documentário adaptado da biografia de mesmo título, retratando os últimos meses de vida de Monroe, além de exibir cenas do seu último filme.
Até mais e obrigado pelos peixes!
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a relação entre Evelyn Hugo e Marilyn Monroe é algo totalmente tirado da minha cabeça rs não tenho nenhuma informação oficial referente a inspiração por parte da autora.