Quando eu era criança as quintas-feiras eram meu dia favorito da semana, porque era o dia em que finalmente poderia ir em um dos meus lugares prediletos ali naquele pequeno mundo que era o meu bairro: a banca de revista na praça Santa Isabel. Quinta-feira era o dia em que chegava a Revista Recreio, com seus letronix, rockanimais, circomix e robits. Brindes que eu colecionava e guardava como tesouros.
Por um tempo mantive um acordo com mainha, nas quintas-feiras também poderia comprar alguma outra revista, ou um gibi dos personagens da turma da Mônica, já que as revistinha oficiais da turminha chegavam quinzenalmente em casa - adorava os da Magali e do Chico Bento e achava a Tina divertidíssima -, também poderia comprar as revistas de animes e a Revista da Eliana. Nem sempre acontecia de levar as outras revistas, mas só a recreio já era suficiente para preencher meus dias até a chegada da próxima quinta-feira.
O atendente da banca de revistas já me conhecia e quando me via chegando logo apontava para a Recreio da semana e separava a minha. Aproveitava o tempinho para observar as novidades, os gibis novos, as revistas de curiosidades, que mais tarde passaram a ser meu principal alvo de compras. Passava ainda o olho pelas revistas de fofoca e de novelas olhando atentamente as manchetes da Minha Novela da semana que geralmente começavam com “BOMBA!” e seguia com algum spoiler que raramente acontecia de fato - o spoiler é algo tão intrínseco a experiência de assistir uma novela que não faz sentido acompanhar uma trama sem saber o que poderá acontecer nas próximas semanas.
A banca da praça Santa Isabel não era assim tão grande, mas tinha alguma diversidade de produtos, porém o melhor lugar mesmo era a banca da Avenida da Canal, com espaço suficiente para viajar entre os vários títulos disponíveis. Lá eu não podia ir sozinho por ser mais longe de casa, por isso íamos apenas em algumas ocasiões1, que eram pequenas festas para mim. Lembro que foi lá que comprei meu primeiro gibi, uma edição do Zé Carioca, talvez do final nos anos 1990. Eu ainda não sabia ler e mainha leu para mim algumas vezes as histórias, depois quando já estava enjoada eu continuava inventando novas aventuras a partir das imagens.
Os gibis da Turma da Mônica se tornaram uma constante já no raiar dos anos 2000, recebíamos em casa uma edição quinzenal e um almanacão reunindo várias histórias. A assinatura promocional veio de um brinde do ovo de páscoa da turminha, às vezes o capitalismo rende frutos interessantes. Os gibis chegavam na minha porta durante todos os anos até o ano que cheguei na quinta série, quando não via mais muito sentido em ler as aventuras da rua do limoeiro.
O ano de 2004 foi marcado por diversas mudanças e reviravoltas. Talvez foi onde teve início o fim da minha infância, da segurança e do conforto. Foi o ano em que meu irmão deixou o Brasil e comentávamos as desventuras de Sol em América por ligações internacionais mensais. Ano dos primeiros comprimidos engolidos com dificuldade e choro, mas que logo se tornariam rotina por mais anos do que gostaria, além das consultas, muitas consultas e muitos médicos.
Numa quinta-feira de fevereiro, antes das aulas na nova escola iniciarem, antes da temida quinta série começar de fato, antes de tudo mudar drasticamente, fui até a banca de revista da praça Santa Isabel comprar a revista Recreio pela última vez. Não lembro bem qual foi a edição, mas lembro da vontade de deixar algo para trás ao folhear as páginas, já não me causava a costumeira alegria. A essa altura os brindes da era rockanimal e circomix haviam acabado há algum tempo, e nenhuma nova coleção chamava minha atenção. Fechei a revista, coloquei numa pilha com todas as outras edições, peguei a caixa de sapato recheada de letrinhas que viravam robôs e pedras que se transformavam em animais, tirei de dentro o meu favorito, e levei o que restou para um novo destino.
O atendente da banca da Praça Santa Isabel ainda me viu chegar empolgado por mais alguns anos, não mais em busca da Recreio, outras revistas assumiram esse lugar. Comecei a colecionar a Mundo Estranho, vieram depois os momentos de comprar todos os posters e revistas musicais que traziam Avril Lavigne, Evasnecence, Good Charlotte e Simple Plan na capa, depois os álbuns de figurinhas da novela Rebelde e da banda RBD encerrando minhas constantes idas aquela banca, que fechou logo que as revistas deixaram de ser um bom negócio.
Ainda hoje as quintas-feiras pela manhã me trazem uma sensação boa, não só por antever o aguardado #sextou, é como se por alguns minutos eu fosse novamente aquele Victor do início dos anos 2000 e estivesse prestes a abrir o plástico da minha nova edição da Recreio, descobrir o brinde e passar algumas horas lendo aleatoriedades.
Até mais e obrigado pelos peixes!
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As ocasiões especiais eram basicamente os dias em que pegávamos ônibus no ponto que ficava em frente a banca.
E as páginas do almanacão que eram para colorir?! Nooooossa, eu adorava!