Uma fotografia da despedida.
Aquele parecia ser apenas mais um dia comum, banal até, elas caminhavam pela longa extensão de areia mirando ao longe o encontro do céu e do mar. Era um fim de tarde de verão e tudo parecia prestes a sumir em meio a explosão intensa de cores que apenas aquele céu poderia oferecer naqueles meses de calor intenso. Seus passos se confundiam com a movimentação das águas, aquele mar tão familiar, mar que já havia presenciado tantas outras tardes iguais aquela, com as duas caminhando enquanto jogavam ao universo suas inquietações. Mas aquele não seria mais um dia banal.
As ondas quebravam bem fraquinhas, entre um vaivém das águas elas pisavam nas conchinhas que se estendiam pela areia formando uma camada dura, mas não incômoda. Elas recolhiam algumas que mais chamavam atenção e lançavam ao céu como se estivessem criando estrelas cadentes naquele universo tão particular. Elas já tinham vivenciado muitos dias iguais aquele, o mar era a única constante em suas vidas atribuladas, momento em que seus corações entravam em sintonia. Uma cura em meio ao caos. Em todas as estações elas estavam ali, em todos os sofrimentos e alegrias elas continuavam ali. Naquele momento elas não falavam especificamente sobre nada, apenas compartilhavam pequenas reflexões sobre a vida, seus trabalhos, seus parceiros, mas a medida que caminhavam tudo se esvaia. Aquela explosão de cores convidava para um mergulho, entre as ondas elas se sentiram como sereias, afastadas de qualquer sinal da cidade elas riam a medida que as ondas as absolviam. O céu cada vez mais laranja, a água morna, o fim daquele dia já se aproximava. Uma delas imóvel admirava o horizonte multi-colorido.
Vou guardar essa fotografia no meu coração.
Elas riram, se abraçaram, lágrimas começaram a brotar, mesmo não entendendo de onde vinham. Uma alegria genuína tomou conta delas. Naquele momento não era mais a praia da Cinelândia que estava ali, mas um lugar novo, só delas, talvez a materialização concreta do amor que sentiam. Um presente do mar para aquelas sereias. Naquele conforto elas choraram, mas não era um choro de tristeza, era a alegria de poder compartilhar aquele momento e, ao mesmo tempo, a certeza de que aquele seria a última vez que estariam ali juntas. Elas não sabiam, elas não esperavam, mas o mar de alguma forma as avisava e as brindava com um último encontro.
As águas refletiam o alaranjado do céu, os dois elementos se encontravam como se fosse apenas um. A duas brincavam como se a vida fora daquele espaço não importasse. Aquela cena era como uma fotografia que não existia além daquele olhar compartilhado. Elas mergulharam como sereias, lindas, livres, naquele momento que dura para sempre, mesmo depois do fim.
sereiosereno
Saudações a você querida pessoa leitora.
Em 2021 quando comecei esse projeto de newsletter meu maior objetivo era escrever livremente sobre qualquer coisa, desde comentários sobre cultura pop, até pequenos contos, como esse que você acabou de ler. Naquele momento ainda vivíamos em isolamento, tudo era feito e compartilhado por telas, e eu estava iniciando o segundo ano do mestrado, me afundava em leituras densas e começava a escrever minha dissertação. Naquele momento eu precisava compartilhar minha visão daqueles dias de alguma forma, interações rápidas via redes sociais, conversas por videochamada e trocas de áudio no WhatsApp eram uma boa solução, mas eu sentia que precisava desaguar todos os sentimentos em textos longos, mais elaborados, que demandassem uma atenção especial para o que estava acontecendo aqui dentro — e nossa, quanta coisa acontecia! Mantive uma frequência de envio de textos quinzenais por quase dois anos, tive trocas riquíssimas, conheci pessoas legais, entendi um pouco mais do meu processo de escrita para além das técnicas acadêmicas. Foi um ótimo período, mesmo. De lá para cá veio o doutorado, mudanças de vida, nova cidade, um novo projeto de pesquisa, novos trabalhos, e eu fui deixando esse espaço, sempre prometendo para mim mesmo que a qualquer momento retornaria, mas as ocupações continuavam a crescer. Se lá em 21 quando comecei o projeto a vida ainda era pautada em telas, hoje em 24 ainda passo a maior parte do tempo em frente a elas, mas o mundo voltou ao normal, ou o que podemos considerar normal, e as demandas da realidade também. Sinto falta de escrever aleatoriamente sobre coisas que não são os projetos que estou envolvido nas minhas vidas (a acadêmica e a do roteirista), sinto falta de processar a leitura de um livro escrevendo sobre ele, de reviver as emoções de uma obra audiovisual escrevendo e relendo um texto por dias até entender depois da última releitura de revisão o que realmente senti, ou melhor, ter uma pista mais concreta a respeito dos mapas do sentimento. Dia desses enquanto ajudava meu marido em um trabalho falei que eu só conseguia pensar com as mãos, enquanto digito um texto. Percebi que nesse espaço, por menor que fosse, eu conseguia assimilar muitas percepções a respeito não só dos tempos tenebrosos que vivíamos em meio a pandemia, mas a respeito de tudo ao meu redor. A você que me ler agora fica aqui o meu compromisso de retorno a esse espaço, talvez não quinzenal, talvez mensal, veremos. Deixo aqui meu convite para podermos trocar impressões sobre o mundo compartilhando textos longos, ou pequenos comentários. Minha caixa de entrada está sempre aberta para iniciar uma conversa. Obrigado pela leitura e até breve.
Dedico esse texto acima a memória de uma amizade perdida, o que restou dela foi a mais bela fotografia que carrego em meu coração, para sempre.