A visão daquele corpinho pequeno e frágil carregando pilhas de caixas coloridas quase do seu tamanho me despertava uma inexplicável sensação de que o ano estava terminando. Sentimento que se confirmava ao avistar o calendário diário tão fininho pregado ao lado da geladeira já com a maioria de suas folhinhas destacadas, onde ela toda manhã arrancava um papelzinho como se fosse a guardiã da passagem do tempo. Ela saia do quartinho dos fundos tão ligeira e com um baque forte colocava tudo em cima da mesa da cozinha, abrindo um sorriso de orelha a orelha. De dentro das caixas saiam pequenos papais-noéis, trenós, estrelinhas, trenzinhos de madeira que logo seriam pendurados nos galhos de suas plantas espalhadas pela casa. Ela ainda continuava recolhendo mais objetos, variações de presépios, de madeira, lã, vidro, papais noéis de vários tamanhos e formatos, vários bibelôs adquiridos ao longo da vida.
Os piscas-piscas eram sempre os últimos a sair das caixas, para eles ela reservava um tratamento especial. Eram desenrolados cuidadosamente e testados, cada luzinha tinha direito a uma minuciosa limpeza removendo qualquer resquício de poeira que pudesse atrapalhar seu brilho. Quando percebia que todas as luzinhas funcionavam, chegava então o momento para o teste final, a caixinha de som que embalaria a trilha sonora daquela casa pelo próximo mês. Ao ouvir os primeiros acordes dos jingle bells meio rouco, quase falhando, ela sorria ainda mais forte, agora, sim, estava munida de tudo o que precisava. Esse ritual se repetia pelas últimas quatro décadas, pelo menos era o que ele lembrava, e a cena era sempre a mesma, o que mudava é que a cada novo natal ela se permitia adicionar mais objetos a sua coleção. Os amigos e familiares, sabendo de seu fascínio, sempre a presenteavam com algum item inusitado, como aquele papai-noel metaleiro, presente do neto mais velho.
Um domingo inteiro era o tempo necessário para que cada bibelozinho encontrasse seu lugar. Presépios eram espalhados pela casa, guardando o devido espaço vazio do menino Jesus, que só seria posto em seu lugar no dia 25. As portas ganhavam guirlandas, algumas já amareladas pela ação do tempo, mas preservavam a mesma altivez de sempre. As luzinhas e os enfeites eram devidamente posicionados nas plantas que já aguardavam estrategicamente posicionadas próximas a tomadas. A sala e a cozinha ganhavam tapetes especiais em tons vermelho e verde, o banheiro também mudava suas cores com as toalhas, sabonetes e até papel higiênico com motivos natalinos. Um exército de papais-noéis em suas mais variadas encarnações eram posicionados em todos os cantos, o metaleiro ganhava um lugar de destaque assim como os outros pequenos objetos inusitados de sua coleção, como o pequeno trevo que ela havia trazido de sua primeira viagem internacional, posicionado no centro do móvel.
Quando finalmente escurecia lá fora, a casa se banhava em uma mistura de cores. O vermelho e verde refletiam por todos os lados, os ritmos saídos de cada caixinha pareciam sincronizar a cada repetição despertando toda a vizinhança. Seu corpo baixinho refletia todas aquelas cores em seu sorriso, revelando a menina encantada com as possibilidades que a vida poderia oferecer, criança que nunca deixou de ser mesmo com as décadas se acumulando em seus cabelos grisalhos que agora brilhavam em verde e vermelho. O cansaço do dia se dissipava quando todos os objetos enfim ocupavam seus lugares e ela poderia admirar seu trabalho. Sentada em sua cadeira de balanço, olhos fechados apreciando aquela melodia ritmada, permanecia assim por longos minutos.
Ele olhava seu rosto sereno e se perguntava para onde ela viajava nesses momentos de devaneios natalinos. Sentia como se o tempo nesses momentos fizesse uma curva e agora ela não fosse apenas sua avó, mas a filha de dona Edilena assistindo de longe as luzinhas piscando nos muros da vizinhança, olhando as paredes ao seu redor desgastadas pelo tempo, criando possibilidades que só aconteceriam agora. Observando ela se balançar tranquilamente na cadeira, conseguia entender a realização daquela menina.