blonde - afinal, quem foi marilyn monroe?
em parceria com minha amiga cecília souza, comentamos um pouco sobre marilyn monroe a partir das reflexões do filme blonde.
I would've liked to know you
But I was just a kid
Your candle burned out long before
Your legend ever didelton jhon -candle in the wind
Elton Jhon entoa as palavras de Candle in The Wind em meio a uma catedral cheia de famosos, celebridades e principalmente membros da família real britânica. A memória desse dia povoa minha mente, eu era apenas uma criança e não entendi a comoção transmitida na TV o dia inteiro por uma morte tão distante de mim. Não lembro exatamente de ter visto o cantor emocionado a frente do piano entoando com sua voz angelical que era apenas um garoto de 22 anos quando sua musa faleceu. Naquele momento eu era apenas uma criança sem repertório de mundo, observando assustado o circo midiático em torno do velório da princesa Diane.
Elton John compôs Candle in the Wind para Marilyn Monroe, a música soa como uma espécie de pedido de desculpas, por tudo que fizemos enquanto apenas consumidores. Considera o abuso em cima da mega estrela algo fatal e tenta através da canção recapturar sua essência. Quando o cantor se apresentou no velório de Diane parece que ele tenta entoar a mesma sensação, apesar do gosto parecer um pouco mais amargo dessa vez. O narrador da transmissão ao vivo anuncia o cantor e informa para o telespectador, o mesmo que acompanhou os dias finais da princesa, que a canção foi composta para estrela de Hollywood, aproximando as duas mulheres.
Somos obcecados por histórias de decadência. Quanto maior o pedestal construído, mais nos aglutinamos a espera da queda. Poderia listar vários artistas e celebridades com trajetórias similares a dessas duas mulheres. Esse pensamento tem se intensificado desde que vi o anúncio do filme de Andrew Dominik estrelado por Ana de Armas, Blonde. Baseado no livro de Joyce Carol Oates que inspirada na vida pública de Monroe cria uma personagem baseada nela, dando-lhe aquilo que a mídia nunca conseguiu capturar: sua subjetividade.
A adaptação para as telas enfoca bastante em um aspecto de sua versão literária. Os sofrimentos da atriz em relacionamentos, seguindo a linha do abandono paterno. Nesse universo, todos seus relacionamentos são uma eterna busca pelo afeto do pai. Marilyn é desenha pelo olhar de Dominik como uma mulher fraca e sozinha. Apenas nos braços de um homem - ou dois no caso do estranho trisal, que apesar de bizarro rendeu uma das cenas mais bonitas do filme-, é que ela se realiza. Norma Jean é constantemente assombrada por Monroe, representando o sexo, a sujeira e toda perversidade que vem em forma de julgamento pela narrativa.
Blonde é um filme perverso. A atuação divina de Ana de Armas, que soube capturar a vulnerabilidade da estrela de uma forma surpreendente, não consegue sustentar a narrativa. Aquela Marilyn a quem Elton Jhon sussurra seu pedido de desculpas em forma de canção, era uma mulher forte, destemida, que lutava usando o que tinha a sua disposição, essa mesma mídia que insistia em desrespeitá-la. O brilho de Marilyn parece nunca se apagar, mesmo quase oito décadas após sua morte, ela permanece viva na memória de todos. Inúmeros filmes são lançados resgatando algum aspecto de sua vida, mas essas narrativas parecem preservar uma mesma questão: a busca pela destruição do pilar. Continuamos em busca do lado sombrio.
Uma ideia que se repetia sempre em conversas com minhas amigas sobre esse filme era a necessidade de uma narrativa que explore a força da atriz. A necessidade de enxergar o outro lado. Enquanto ainda não temos essa narrativa, tentamos ficar ao máximo com o que ela nos deixou. Pensando nisso, convidei minha amiga Cecília para integrar esse texto-reflexão-resenha sobre Marilyn Monroe.
Com vocês Cecília, mas antes um pedido:
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Por Cecília Souza.
Eu não tenho uma história antiga com Marilyn Monroe.
Não tenho um conto de fascínio adolescente com uma das maiores estrelas femininas que Hollywood já produziu, apesar de ter um relacionamento com o cinema tão antigo que remete à minha infância, especialmente com o cinema estadunidense. E eu preciso confessar que o motivo por trás disso é uma certa teimosia característica de mim: Marilyn era simplesmente um ícone popular demais, o que me fazia torcer o nariz para a sua figura, apesar de conhecer superficialmente a sua trajetória e não tão superficialmente assim a sua filmografia.
A questão é que a partir do momento em que você realmente para pra assistir a um filme com Marilyn Monroe, não há muito a ser feito. Eu particularmente achei difícil continuar torcendo o nariz, não importa quão popular ela ainda fosse, pois quando sentei para assistir com calma à O Pecado Mora Ao Lado, me senti totalmente sugada para o seu campo gravitacional. E é isto que o talento de Marilyn representa pra mim: uma espécie de magnetismo que me impediu de olhar para o lado, e, acredite, esse magnetismo que eu senti não tinha nada a ver com a sensualidade tão conhecidamente explorada na tela.
Eu já assisti à minha cota de filmes, com atrizes e atores excelentes e performances fantásticas, mas a verdade é que até o momento eu nunca me vi diante de ninguém que pudesse entregar o que ela entregava. Não sei quanto disso era técnica e quanto era talento puro e cru, o que eu sei é que havia algo nos olhos dela que eu nunca vi nos olhos de nenhum outro artista. E cujo efeito eu só encontrei na música, quase uma espécie de hipnose, que me transportava da realidade para um lugar mais interessante, mais colorido, mais brilhante.
Se eu disser que era isso que eu esperava encontrar em Blonde, filme da Netflix que adapta o livro de Joyce Carol Oates (que, é importante lembrar, não é uma biografia e sim uma releitura fictícia dos fatos envolvendo a vida dela), eu estaria mentindo. Marilyn não foi uma pessoa que pudesse ser facilmente decifrada e reproduzida, e a verdade é que quanto mais tentam, mais distantes as representações ficam de quem ela realmente pode ter sido. No entanto, eu esperava encontrar uma releitura um tanto mais ousada de quem ela foi - e quando eu digo ousada, estou passando a quilômetros do distância de um filme polêmico, que explora nudez ao ponto de ela se tornar banal e transforma a vida de uma pessoa real em uma ficção que poderia facilmente estar categorizada no gênero de horror psicológico que foi entregue.
Não, eu esperava a ousadia de ir em uma direção ainda não explorada e mostrar a Marilyn que está totalmente fora do imaginário popular: a mulher cheia de camadas, forte em sua vulnerabilidade, de mente brilhante e que conseguiu encontrar meios de jogar o jogo de Hollywood, no qual a sua mão já tinha começado totalmente desfavorecida pelo fato de ser mulher, especialmente uma mulher no cinema entre os anos 50 e 60.
Dizer que ela era complexa é chover no molhado, mas é especialmente isso que me atrai para a sua figura hoje, além do seu talento inegável. Depois de eu ter sido diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline no início desse ano, passei a ter uma percepção muito particular de Marilyn e a enxergá-la como uma mulher que precisou representar muitos papéis não só como atriz, mas também fora dos estúdios, porque era necessário atuar como uma forma de cuidar de si mesma e de proteger essa mesma vulnerabilidade que sempre foi atacada com tanta violência.
Também vi a mulher com habilidades incríveis que sempre eram ofuscadas por outras características: sua aparência física, seu comportamento (que era considerado inapropriado para uma mulher daquela época), sua reputação. Todas essas coisas apareciam antes dela, ofuscando o seu senso de identidade, e se hoje não sabemos quem Marilyn era de fato é porque nunca realmente se interessaram em conhecê-la; estavam ocupados demais julgando como primários seus atributos secundários para conhecer de fato a pessoa que habitava a sua pele.
E é nesse contexto, de ser invisível mesmo quando há tantos olhares sobre você e tantas opiniões a seu respeito, que eu senti que eu tinha algo em comum com Marilyn e me senti próxima dela. E foi por esse motivo que Blonde me proporcionou muitas emoções, mas nenhuma delas me deixou mais perto de Marilyn.
É quase uma piada de mau gosto que o trailer traga a afirmação "Assistida por todos, vista por ninguém", dando a entender que esse é de fato o problema que ronda a sua imagem e legado até os dias de hoje, e trazer uma obra que se compromete totalmente a reforçar ainda mais a objetificação dela, desumanizando-a ao ponto de insensibilizar o espectador em relação à sua protagonista. Simplesmente não é exagero algum apontar que com exceção da própria Marilyn e de sua mãe, não existem personagens femininas com importância na trama central, deixando esse espaço preenchido totalmente e sem pudor algum por homens que a observam, desejam, abusam dela, a agridem e que, também dentro da narrativa, a coisificam.
A Marilyn de Blonde não tem amigos, não tem interesses próprios, não possui nenhuma outra camada que não gire em torno de figuras masculinas, sejam ela o seu pai ausente ou seus interesses amorosos. Tudo que ela faz é sobre eles, e apesar de a narrativa mostrar que ela levava o seu trabalho muito a sério, tentando aprimorá-lo cada vez mais, ela também deixa nas entrelinhas que a "persona Marilyn" foi criada por outra pessoa - um homem, claro -, e tudo que ela faz é para satisfazer a ambição dessa pessoa e não a sua própria. A verdade é que eu me senti como se ela tivesse sido tão destituída de sua individualidade, que no final do filme fiquei com a sensação de ter assistido a uma história sobre uma total desconhecida.
O objetivo aqui não é tecer uma crítica ao filme, que em termos técnicos é um primor e traz uma atuação que me colocou totalmente de joelhos pela Ana de Armas, e sim defender a memória de alguém que tenho pra mim como uma amiga próxima e, ao mesmo tempo, distante. Marilyn teve sua identidade injustiçada de tantas formas, cada uma mais grotesca que a outra, que hoje em dia me parece que a melhor forma de honrá-la é simplesmente parar de tentar representá-la e deixar que o seu legado - seus filmes - simplesmente fale por si só.
O tempo de conhecer Marilyn veio e já se foi, e a chance de isso acontecer já foi desperdiçada. A escolha de apagá-la, favorecendo a sua máscara de sensualidade em detrimento de suas outras inúmeras qualidades, cobrou o seu preço, que é o mistério de nunca termos a oportunidade de realmente entendermos quem foi essa mulher tão brilhante, única e multifacetada como foi Norma Jeane Baker.
E você já assistiu Blonde? O que achou, conta pra gente nos comentários ou respondendo a esse email.
amei sua newsletter, Victor, ainda não consegui ver blonde todo (acabei parando na metade) :~
Ótima reflexão, Victor! Obrigado pela leitura.